Sussumu Tanaka

 

O Cine Niterói foi o marco dos imigrantes japoneses no bairro da Liberdade,em São Paulo. Parafalar desse assunto, visitamos o sr. Susumu, único sobrevivente dos irmãos da família Tanaka, que foi proprietária do Niterói. A entrevista correu bem, regado de bom humor. Difícil acreditar que o entrevistado em questão tenha 92 anos!

Susumu Tanaka nasceu em Osaka, no Japão, e veio para o Brasil em 1923, com 10 anos de idade. Trabalhando na roça, passou por diversas fazendas cafeeirasem São Pauloe Paraná, até que chegouem Santa Mariana, no Paraná, junto com sua família. Nessa cidade, os irmãos Tanaka prosperaram bastante, primeiro como cafeicultores e depois como comerciantes de café e feijão.

Yoshikazu Tanaka, o irmão mais velho, tinha 7 anos a mais de idade do que Susumu. Tendo trabalhado como repórter num pequeno jornal no Japão, estava mais habituado à vida urbana, e também era o que tinha a saúde mais frágil dos três irmãos homens da família. Por isso, Yoshikazu atuava mais com compras e vendas, viajando constantemente. O comércio de feijão dos irmãos ia tão bem, que quando Yoshikazu visitava a Bolsa de Cereais de São Paulo, era chamado de “Rei do Feijão”.

Com o falecimento precoce do patriarca, o irmão mais velho Yoshikazu assumiu todo o direcionamento dos negócios da família, como acontecia entre os japoneses naquela época. Na década de 50, o irmão mais novo, Iwao, tinha uma serraria em Uraí, também no Paraná, e todos os negócios estavam indo bem. Tão bem que Susumu estava comprando uma fazenda cafeeira de 200 alqueiresem Cornélio Procópio, mas no dia de fechar o negócio, na propriedade em questão, apareceu Yoshikazu de surpresa.

“Você vai mesmo comprar essa propriedade?”, perguntou o mais velho. Depois de um rápido diálogo, Susumu desistiu do negócio, porque Yoshikazu tinha uma idéia que acabaria mudando a vida dos imigrantes japoneses no Brasil. Ele queria fundar uma sala de cinema!

O idealista Yoshikazu Tanaka lutou muito, comprou o terreno da rua Galvão Bueno e construiu um cinema do zero, sem ter tido qualquer experiência anterior. Viajou ao Japão e fez acordo com a distribuidora Toei para exibir as películas dessa grande empresa, no momento em que o Japão vivia o “boom” de produção cinematográfica. Parte das madeiras veio da serraria de Iwao, e o capital necessário saiu do comércio de feijão de Santa Mariana. “Esse cinema não foi construído de cimento, esse cinema foi feito com feijão”, teria dito Katsuzo Yamamoto, cerealista e amigo da família, no discurso de inauguração do cinema.

O capital gasto foi surpreendente para a época. Além da grande sala de cinema de dois andares, com 1500 poltronas estofadas, no térreo, o prédio contava com um restaurante no primeiro andar; um hotel nos dois andares seguintes, e um salão de festas no último pavimento. Era um empreendimento que certamente encheu de orgulho, não só a família Tanaka, como também toda comunidade japonesa, que saía da triste situação do pós-guerra, quando o seu país foi derrotado. O ano era 1953, e o primeiro filme exibido foi “Genji Monogatari”, traduzido como “Os Amores de Genji”. Todos os filmes eram legendados e toda segunda feira entrava um novo filme no projetor. 20 mil pessoas passavam pela sala todas as semanas. Ao contemplar a alegria dos japoneses que lotavam sua casa, Yoshikazu resolveu ser ainda mais ousado para dar ainda mais alegria ao seu público: foi ao Japão buscar os protagonistas dos filmes para se apresentarem na estréia das películas. Isso aconteceu várias vezes, e um dos convidados foi Koji Tsuruta, um galã na época. Nessas ocasiões, o convidado se hospedava no hotel da família, e as recepções aconteciam na ampla sala da casa de Susumu. Sua filha, Zelinda, ainda se lembra dessas festas, quando a sua casa ficava cheia de destacadas personalidades da época.

Com o sucesso do Niterói, mais três salas surgiram no mesmo bairro para atender ao público nipo-brasileiro. Muitos filhos de agricultores vinham para estudar e trabalharem São Paulo, tendo como referência essas salas. E com isso, a Liberdade acabou se tornando o “bairro japonês”.

Comerciantes como Hirofumi Ikesaki, confessaram que se instalaram na região atraídos pelo grande movimento do Cine Niterói. Apesar da região contar com a rua Conde de Sarzedas, onde se instalaram os primeiros imigrantes japonesesem São Paulo, durante a Segunda Guerra Mundial eles foram forçados a deixarem o local, e no período pós-guerra, muitos comerciantes se dirigiram para as proximidades da Praça da Sé. A rua Senador Feijó, por exemplo, abrigava a agência número 001 do Banco América do Sul.

O empresário Katsuzo Yamamoto, aquele do discurso do feijão, almoçava seguidas vezes no restaurante do Niterói, e foi lá que reuniu seus amigos para tratar da fundação do Nippon Country Club, que aconteceria em 1960.
A época áurea do cinema passou, quando, em 1968, o local foi desapropriado para a construção da Avenida Radial Leste-Oeste. Com o valor da indenização muito abaixo do real, a família só pôde adquirir um prédio na Avenida Liberdade, onde antes funcionara o Cine Liberdade. Essa sala só tinha 933 lugares. Mesmo assim, a sala não lotava como antes e a obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais acabou por afastar o seu público. Em 1984, o Niterói parou de importar filmes, e anos depois a sala foi fechada. Os demais concorrentes, Jóia e Nippon desapareceram na mesma década. Nenhum resistiu à chegada dos video-cassetes nas casas.

Curiosidades

1) Os amigos brasileiros de Susumu sempre perguntavam o por quê do nome do cinema, pois Niterói é no Rio de Janeiro, estado que tem rivalidade com São Paulo. Susumu tinha uma resposta na ponta da língua: Niterói é soma de Nitto e Herói. Nitto é Japão, portanto, significa “Herói do Japão”!

2) Outros cines que se especializaram em filmes japoneses: Tokyo (fundado em 1954 na Rua São Joaquim – hoje é uma igreja evangélica), Jóia (fundado em 1958, no final teve o nome de Shochiku na praça Carlos Gomes – hoje é uma igreja evangélica), Nippon (fundado em 1959 na rua Santa Luzia – hoje é sede da Associação Aichi Kenjin). Cada cinema representava uma grande companhia japonesa. Tokyo exibia filmes da Nikkatsu, Niterói da Toei, Nippon da Shochiku, e Jóia da Toho.

3) O Cine Nippon pertencia à família Mizumoto, que tinha (e tem) uma loja de presentes na rua Galvao Bueno. Depois do fechamento desse, ela assumiu o Cine Jóia, mudando de nome para Shochiku, que é a companhia que representava.

Autor: Francisco Noriyuki Sato

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